Eu prometi tanto escrever aqui essa semana, mas não estava conseguindo encontrar as palavras certas. De repente, não tive vontade de fazer nada a não ser de chorar. Meu ano foi incrível, mas os “baixos” que sucedem após os “altos” da vida, foram bem baixos, e quase me deixam no fundo do poço. Aí hoje, em meio a algumas reflexões durante a minha caminhada, me abateram profundamente. Toda essa introdução tem a ver com o último trabalho de Shekinah.
Litha está chegando para mim, e claramente algumas reflexões tiveram de acontecer durante o ritual. Eu passei uma noite não muito boa anteriormente, pensando muito em meu pai, com um pressentimento muito ruim sobre ele. E um sonho em que minha mãe conversava comigo algo que eu não estava compreendendo muito bem. Esse foi o meu padrão vibratório para ir ao ritual, ou seja, péssimo! Pensei até que faria minha primeira limpeza com a ayahuasca, mas graças aos deuses, não foi isso que aconteceu.
O que aconteceu também não foi lá muito agradável. Eu passei os últimos dois anos de ritual num processo longo e dolorido de perdão. As pessoas não entendem muito bem quando eu falo disso, mas só quem passa por uma perda tão drástica é capaz de entender o sentimento de impotência e a culpa que se joga nas costas de quem for mais conveniente. O último ritual foi a passagem final do meu perdão e a libertação da minha mãe desse processo. Foi extremamente triste pra mim.
Após a oração de abertura e da minha abertura do círculo, pedindo a presença dos meus mentores, a minha mentora apareceu. E, me olhando fixo nos olhos, explicou-me o seguinte: ela não mais assumirá forma física e será minha mentora no plano espiritual; sua presença visual não mais será percebida por mim, apenas será sentida, na medida da minha necessidade. Ela me parabenizou porque, finalmente, pude perdoar aqueles que culpei por sua passagem para o mundo dos espíritos. “A cada novo ritual, você estava pronta para deixar um pedaço do perdão. Agora eu preciso que você termine o que começou para que eu possa atingir um novo grau de evolução. Hoje, é nosso último encontro com essa roupagem. Nossos próximos encontros serão sensitivos, você não precisa mais de mim assim”.
Meu ânimo, que já era pífio, passou para zero. Apesar de compreender perfeitamente o que ela me disse, não tem como sentir a tristeza imensa que eu estava sentindo. Minha mãe virou o que alguns chamam de “anjo”, mas eu não posso mais vê-la. Ou ouvir a sua voz. Foi como uma segunda despedida. A primeira vez, eu não pude fazê-lo com ela acordada. Ela já estava em coma e não pôde me responder. Lembrei-me dela dentro daquele quarto de UTI, naquela cama; lembro que tocava “Vento no Litoral” bem baixinho naquele sábado. A cena toda veio na minha mente. Sábado frio, congelante. E eu me lembro que quando cheguei lá, tirei o pouquinho de cabelo que ainda estava caindo na sua cabeça. Ela tão frágil, cheia de tubos. As mãos e o rosto inchado. E eu pedi tanto pra ela lutar, pra não se entregar. Eu implorei e disse que não estava pronta. E eu lembro que ela apertou forte minha mão. E que horas depois, quando ela já havia partido e eu ainda não tinha conhecimento, me perguntaram o que eu ia fazer sem ela. E eu disse que não sabia, que isso não podia acontecer, mas que se ela sofria, que fosse, seria melhor pra ela.
Me veio o sonho que tive naquela noite, a primeira em silêncio que minha família teve em 35 dias. Com os telefones desligados. Eu dormi do lado do me pai. E me lembro da vontade que eu tive de gritar quando ele ligou pro hospital e me deu a notícia de que ela havia partido na tarde anterior, pouco depois de eu deixá-la ali. Mas eu não tive força pra gritar. Eu só conseguia chorar, e chorar foi tudo o que fiz por dias, semanas, todos os momentos, da hora de acordar à hora de dormir. Lembrei-me do ódio que eu sentia das pessoas que foram ao seu velório. Acima de tudo, lembrei-me de como me faltavam forças pra levantar da cama nos meses que se seguiram, em como a depressão me pegou e eu fingia que não estava acontecendo.
Essa é minha mãe e mentora espiritual. Dona Ivone, saudades imensas.
E aí ela estava diante de mim, dizendo que estava partindo, outra vez. E verdade seja dita, hoje, agora, enquanto eu escrevo aqui, eu não consigo mais me lembrar da voz dela, a voz que eu ouvi pela última vez não faz três dias. Passei meu início de trabalho assim, depressiva, triste, me sentindo abandonada de novo.
Foi quando me dei conta de que tinha um ser ao meu lado. Era uma cigana muito velha, maliciosa, eu sentia o mal emanando dela. Ela parecia muito sábia, mas muito intrigante, misteriosa, como são os ciganos. E ela filtrava as emoções ruins das pessoas do salão. Mas entregava essas energias diretamente nas minhas costas, como se tivesse colocado duas garras nos meus pulmões. Eu mal podia respirar!
Abri os olhos e me percebi sisuda, brava, mais triste ainda. Pedi ajuda dos meus mentores. Após uma sessão de limpeza e passes, senti aquele peso todo ir embora. E aí fui conduzida a uma pirâmide, transparente, enorme, no meio do espaço, com as estrelas e os planetas à minha volta. Uma lua diferente, linda, estava à minha frente. E dentro da pirâmide, havia um altar. E lá estava meu pai Xangô. E ele me deu uma baita bronca. Porque, se sou filha dele, quem sou eu para me sentir tão por baixo, tão mal? Filhos de Xangô são fortes, equilibrados e justos. E eu não estava sendo tão justa assim comigo mesma. Ele disse que eu deveria aproveitar minha força para conseguir o que eu quero ao invés de desperdiçá-la chorando a passagem de quem eu estava prendendo nesse mundo. Ele me lembrou que eu sou como ele, e que não preciso de desculpas para justificar quem eu sou ou como eu sou.
Pai Xangô.
E daquela pirâmide, ele abriu a porta, e um navio prateado me esperava com minha mãe Iemanjá. Ela me conduziu pelas minhas lembranças desse ano. O quanto eu conquistei pelos meus méritos, o quanto eu evolui espiritualmente e o quanto ela se orgulhava dos meus feitos. E me entregou novos sonhos para sonhar. Me mandou sonhar mais alto. E me deu sua bênção. Tons de magenta saíam de suas mãos, misturado com um azul tão claro que era quase imperceptível.
Animei-me para tocar instrumentos de percussão durante o trabalho dos índios. E chamei por eles, caprichei no meu ritmo, pedi cura, pedi pelo verde da cura das matas. E assim foi até o final do trabalho, quando tive que me despedir da minha mentora. Foi uma despedida difícil demais. Mas valeu a pena libertá-la desse mundo. Ela merece muito mais do que o que eu posso oferecer, merece a luz divina e eu a mandei pra luz.
[VENTO NO LITORAL]
Litha está chegando para mim, e claramente algumas reflexões tiveram de acontecer durante o ritual. Eu passei uma noite não muito boa anteriormente, pensando muito em meu pai, com um pressentimento muito ruim sobre ele. E um sonho em que minha mãe conversava comigo algo que eu não estava compreendendo muito bem. Esse foi o meu padrão vibratório para ir ao ritual, ou seja, péssimo! Pensei até que faria minha primeira limpeza com a ayahuasca, mas graças aos deuses, não foi isso que aconteceu.
O que aconteceu também não foi lá muito agradável. Eu passei os últimos dois anos de ritual num processo longo e dolorido de perdão. As pessoas não entendem muito bem quando eu falo disso, mas só quem passa por uma perda tão drástica é capaz de entender o sentimento de impotência e a culpa que se joga nas costas de quem for mais conveniente. O último ritual foi a passagem final do meu perdão e a libertação da minha mãe desse processo. Foi extremamente triste pra mim.
Após a oração de abertura e da minha abertura do círculo, pedindo a presença dos meus mentores, a minha mentora apareceu. E, me olhando fixo nos olhos, explicou-me o seguinte: ela não mais assumirá forma física e será minha mentora no plano espiritual; sua presença visual não mais será percebida por mim, apenas será sentida, na medida da minha necessidade. Ela me parabenizou porque, finalmente, pude perdoar aqueles que culpei por sua passagem para o mundo dos espíritos. “A cada novo ritual, você estava pronta para deixar um pedaço do perdão. Agora eu preciso que você termine o que começou para que eu possa atingir um novo grau de evolução. Hoje, é nosso último encontro com essa roupagem. Nossos próximos encontros serão sensitivos, você não precisa mais de mim assim”.
Meu ânimo, que já era pífio, passou para zero. Apesar de compreender perfeitamente o que ela me disse, não tem como sentir a tristeza imensa que eu estava sentindo. Minha mãe virou o que alguns chamam de “anjo”, mas eu não posso mais vê-la. Ou ouvir a sua voz. Foi como uma segunda despedida. A primeira vez, eu não pude fazê-lo com ela acordada. Ela já estava em coma e não pôde me responder. Lembrei-me dela dentro daquele quarto de UTI, naquela cama; lembro que tocava “Vento no Litoral” bem baixinho naquele sábado. A cena toda veio na minha mente. Sábado frio, congelante. E eu me lembro que quando cheguei lá, tirei o pouquinho de cabelo que ainda estava caindo na sua cabeça. Ela tão frágil, cheia de tubos. As mãos e o rosto inchado. E eu pedi tanto pra ela lutar, pra não se entregar. Eu implorei e disse que não estava pronta. E eu lembro que ela apertou forte minha mão. E que horas depois, quando ela já havia partido e eu ainda não tinha conhecimento, me perguntaram o que eu ia fazer sem ela. E eu disse que não sabia, que isso não podia acontecer, mas que se ela sofria, que fosse, seria melhor pra ela.
Me veio o sonho que tive naquela noite, a primeira em silêncio que minha família teve em 35 dias. Com os telefones desligados. Eu dormi do lado do me pai. E me lembro da vontade que eu tive de gritar quando ele ligou pro hospital e me deu a notícia de que ela havia partido na tarde anterior, pouco depois de eu deixá-la ali. Mas eu não tive força pra gritar. Eu só conseguia chorar, e chorar foi tudo o que fiz por dias, semanas, todos os momentos, da hora de acordar à hora de dormir. Lembrei-me do ódio que eu sentia das pessoas que foram ao seu velório. Acima de tudo, lembrei-me de como me faltavam forças pra levantar da cama nos meses que se seguiram, em como a depressão me pegou e eu fingia que não estava acontecendo.
Essa é minha mãe e mentora espiritual. Dona Ivone, saudades imensas.
E aí ela estava diante de mim, dizendo que estava partindo, outra vez. E verdade seja dita, hoje, agora, enquanto eu escrevo aqui, eu não consigo mais me lembrar da voz dela, a voz que eu ouvi pela última vez não faz três dias. Passei meu início de trabalho assim, depressiva, triste, me sentindo abandonada de novo.
Foi quando me dei conta de que tinha um ser ao meu lado. Era uma cigana muito velha, maliciosa, eu sentia o mal emanando dela. Ela parecia muito sábia, mas muito intrigante, misteriosa, como são os ciganos. E ela filtrava as emoções ruins das pessoas do salão. Mas entregava essas energias diretamente nas minhas costas, como se tivesse colocado duas garras nos meus pulmões. Eu mal podia respirar!
Abri os olhos e me percebi sisuda, brava, mais triste ainda. Pedi ajuda dos meus mentores. Após uma sessão de limpeza e passes, senti aquele peso todo ir embora. E aí fui conduzida a uma pirâmide, transparente, enorme, no meio do espaço, com as estrelas e os planetas à minha volta. Uma lua diferente, linda, estava à minha frente. E dentro da pirâmide, havia um altar. E lá estava meu pai Xangô. E ele me deu uma baita bronca. Porque, se sou filha dele, quem sou eu para me sentir tão por baixo, tão mal? Filhos de Xangô são fortes, equilibrados e justos. E eu não estava sendo tão justa assim comigo mesma. Ele disse que eu deveria aproveitar minha força para conseguir o que eu quero ao invés de desperdiçá-la chorando a passagem de quem eu estava prendendo nesse mundo. Ele me lembrou que eu sou como ele, e que não preciso de desculpas para justificar quem eu sou ou como eu sou.
Pai Xangô.
E daquela pirâmide, ele abriu a porta, e um navio prateado me esperava com minha mãe Iemanjá. Ela me conduziu pelas minhas lembranças desse ano. O quanto eu conquistei pelos meus méritos, o quanto eu evolui espiritualmente e o quanto ela se orgulhava dos meus feitos. E me entregou novos sonhos para sonhar. Me mandou sonhar mais alto. E me deu sua bênção. Tons de magenta saíam de suas mãos, misturado com um azul tão claro que era quase imperceptível.
Animei-me para tocar instrumentos de percussão durante o trabalho dos índios. E chamei por eles, caprichei no meu ritmo, pedi cura, pedi pelo verde da cura das matas. E assim foi até o final do trabalho, quando tive que me despedir da minha mentora. Foi uma despedida difícil demais. Mas valeu a pena libertá-la desse mundo. Ela merece muito mais do que o que eu posso oferecer, merece a luz divina e eu a mandei pra luz.
[VENTO NO LITORAL]
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